Parece existir, em Portugal, dificuldade em interiorizar uma ideia que julgo ser óbvia: a Inovação é uma das melhores ferramentas que temos ao nosso dispor para melhorar os cuidados de saúde prestados aos cidadãos e contribuir para o crescimento económico e criação de emprego. Um pouco por todo o país, empreendedores merecem um sistema de saúde que os apoie a desenvolver novos produtos e soluções. O retorno deste investimento será vasto e irá alavancar a mudança estrutural do sistema de saúde. Peguemos no exemplo da transformação digital, por meio da Inteligência Artificial (IA).

Os dados do Barómetro sobre telessaúde e inteligência artificial, que a Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH) e a Glintt promoveram, mostra que quase metade (47%) dos hospitais portugueses já implementou qualquer tipo de projeto relacionado com a IA. O número pode ser considerado positivo, mas o impacto ainda é insuficiente.

De facto, há muita resistência à adoção daquele tipo de tecnologia nas nossas instituições de saúde. Entre a falta de profissionais qualificados, nomeadamente de cientistas de dados que trabalhem dentro das instituições de saúde, as infraestruturas tecnológicas inadequadas e a ausência de recursos financeiros para promover estas tecnologias, as barreiras são muitas. Torna-se claro que esta não é uma prioridade estratégica para o país e, nesse sentido, Portugal fica para trás desta tendência mundial.

Podemos mencionar algumas experiências, como o uso do software “HVital”, no Hospital de São João, que ajuda a antecipar necessidades dos doentes e apoia a decisão clínica; ou projetos de plataformas analíticas avançadas noutros hospitais, que prestam apoio em termos de gestão operacional a quem toma decisões de gestão de hospital. No início da pandemia, a APAH apoiou a Comissão Europeia na instalação de software de IA – para distinguir infecções respiratórias comuns de infecções por covid-19, através de tomografias computadorizadas de tórax, antecipando o diagnóstico. Os projetos são diversos, mas ainda há muito espaço para que façam parte da rotina dos serviços de saúde.

Para mudarmos o rumo, devemos, desde logo, contar com o apoio de startups – nacionais e internacionais –, que podem e devem testar produtos e soluções inovadoras com os hospitais. Na verdade, algumas instituições hospitalares começam a integrar departamentos de inovação que podem ser contactados para testar uma determinada tecnologia. Em Portugal, há duas referências: o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, que já trabalham com startups nacionais e europeias. Estas são duas das entidades membros do EIT Health, que trabalha a inovação em saúde numa rede Europeia, com organizações de referência dos diversos setores de saúde, indústria, ensino e investigação.

Devemos, ainda, ‘profissionalizar’ a inovação. Ou seja, para suportar a colaboração entre hospitais e a indústria, precisamos de gestores de inovação dedicados e, não menos importante, de um pensamento estratégico, em que hospitais, unidades de cuidados primários, serviços sociais e municípios trabalham em conjunto neste domínio. Com esta abordagem colaborativa, podemos criar um autêntico ecossistema amigo da inovação que traga valor e leve o sistema de saúde para outro nível, onde seja possível, de facto, fazer a diferença.

É certo que ainda não confiamos o suficiente em algoritmos, mas a verdade é uma: a inovação e a tecnologia são absolutamente necessárias, não somente para sermos mais eficientes, mas para nos centrarmos mais em cada pessoa. Por isso, fica o apelo a todos os inovadores: contamos convosco para transformar o sistema de saúde, e prestar melhores cuidados de saúde,

Artigo de opinião publicado no Jornal Expresso a 26 de março de 2021

O artigo original pode ser lido aqui

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