No dia 25 de março tive a honra de apresentar a conferência sobre “Administração Hospitalar no Século XXI: O que nos falta?”. Foi um prazer regressar às Conferências de Valor APAH, em Guimarães (24 e 25 de março). A APAH organizou mais uma extraordinária edição (12ª) deste ponto de encontro de todos aqueles que querem discutir saúde e partilhar de ideias e experiências na área de gestão de serviços de saúde.
Dedicada ao tema “CAPITAL HUMANO NA SAÚDE”, esta edição decorreu em formato híbrido, a partir da cidade de Guimarães e contou com mais de 520 participantes dos quais mais de 200 presenciais, num total de 30 horas formativas transmitidas por cerca de 60 oradores. Um tema particulamente relevante no contexto atual, e que exige uma profunda reflexão e ação por parte de decisores e gestores. Parabéns ao Xavier Barreto e toda a equipa pelo sucesso das conferências.
Administração Hospitalar no Século XXI: O que nos falta?
A minha intervenção teve como base a especificidade da gestão de serviços de saúde e o imperativo de transformação dos serviços de saúde. Nesta sequência discuto que falta à administração hospitalar do século XXI, o desenvolvimento de competências de liderança.
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Especificidade da gestão de serviços de saúde
O modelo organizacional dos serviços de saúde tem evoluído como uma burocracia profissional, em que o professionalismo — “the doctor knows best“— e a burocracia —pessoas vistas como objetos desumanizados— têm sido dominantes. A “entrada” da gestão nas organizações de saúde nem sempre tem sido aceite ou entendida nas organizações de saúde. Não apenas pela resistência das lógicas professionais e da burocracia, mas também por culpa própria. No contexto de uma burocracia profissional exige-se aos gestores capacidade de negociação, a persuasão, a influência dos pares e o compromisso. Perfis de liderança contemporânea são cruciais para o sucesso das organizações de saúde.
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Imperativo de transformação dos serviços de saúde
O atual modelo de organização dos cuidados tem mais de 100 anos. É um sistema cada vez mais desvinculado das necessidades individuais dos cidadãos, ignorando que as necessidades de hoje são bem diferentes das observadas no passado recente. O envelhecimento populacional e multimorbidade,
o aumento das expectativas dos cidadãos, constrangimentos fiscais num contexto de baixo crescimento económico, a emergência e reemergência de doenças infecciosas, ou mesmo a sociedade digital, colocam novos e essenciais desafios a um sistema de saúde estruturalmente inflexível e rígido. Efectivamente, o sistema de saúde demonstrou a sua incapacidade para promover a saúde e prevenir a doença, eliminando a variabilidade e a iniquidade no acesso e assegurar cuidados integrados com foco nas necessidades das pessoas. Como ilustração podemos mesmo considerar que dispomos de tecnologia e expetativas do século XXI presas em organizações do século XX.
Os serviços de saúde devem evoluir para se focarem nas necessidades e expectativas dos cidadãos. Esta mudança de mentalidade pode ajudar a melhorar a qualidade dos cuidados de saúde e melhorar a experiência dos doentes. Se esta mudança não for conseguida, o grau de insatisfação dos utilizadores será crescente. Face ao surgimento de modelos de prestação baseados no digital e na conveniência, o risco de obsolescência de muitas das atividades hoje realizadas pelos serviços de saúde convencioanais é enorme.
Desenvolvimento de competências gestão
Organizações de saúde que oferecerem cuidados centrados nos doentes— “the patient knows best” terão um grau de complexidade muito superior às organizações atuais. Se por um lado, a transformação do atual status quo exige melhor gestão, as novas organizações exigem competências alargadas dos gestores que ultrapassam o mero conhecimento sobre o setor.
A administração hospitalar no século XXI necessita evoluir de um modelo burocrático/administrativo para um modelo de liderança. Assim, devem ser promovidos modelos de competências assentes na noção de liderança, sendo esta baseada em comportamentos e interação com outras pessoas. Esta abordagem baseia-se na ideia em que ter conhecimentos sobre o setor de saúde por si só é insuficiente para ser um bom gestor de serviços de saúde. Uma “competência técnica” não é o mesmo que liderança. Uma coisa é saber como realizar certos atos discretos que qualificam alguém como competente, como fazer uma análise de investimento. Mas a competência para desenvolver relacionamentos genuínos e transparentes que potenciem os colaboradores a contribuir para o sucesso de uma visão organizacional partilhada é um tipo de competência completamente diferente.
Modelos de competências
Estando cientes desta necessidade, muitos programas de graduação e pós-graduação em administração em saúde adotaram modelos de competência que incluem múltiplas dimensões de avaliação para medir o desenvolvimento de habilidades de seus alunos. Além disso, vários grupos profissionais e académicos desenvolveram “modelos de competência” especificamente para a saúde. Deixo alguns exemplos relevantes:
- Leadership Competencies for Healthcare Services Managers da International Hospital Federation e adoptado pela Portuguese Association of Hospital Administrators (APAH).
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- NCHL Health Leadership Competency Model do National Center for Healthcare Leadership. O modelo é organizado em torno de quatro domínios de “ação” e três domínios de “habilitação” baseados no conhecimento atual em desenvolvimento de liderança desempenho.
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- The Future Healthcare Management in Europe (FHME) desenvolvido inicialmente pela IESE Business School, Karolinska Institutet and Université Grenoble-Alpes. Esta proposta tem como base o documento Hospital of the Future e as competências de gestão necessárias.
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De uma forma elegante, o FHME proposta identifica novas competências necessárias aos gestores dos serviços de saúde do futuro, sinalizando que, se nada for feito, a diferença entre as competências existentes e as necessárias tenderá a aumentar.
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Atualmente, a International Hospital Federation está desenvolver um novo modelo baseado na conciliação entre os Leadership Competencies for Healthcare Services Managers and NCHL Health Leadership Competency Model.
O que nos falta?
Em resumo, num contexto de crecente complexidade, importa investir na formação e capacitação de todos aqueles que exercem funções de gestão. Aos administradores hospitalares exige-se liderar, assumir as suas debilidades e desenvolver as competências necessárias à transformação dos serviços de saúde. Melhores lideranças proporcionarão maior envolvimento e satisfação dos profissionais, melhor desempenho organizacional, e qualidade de cuidados aos cidadãos.
Exige-se hoje aos administradores hospitalares, o mesmo rasgo que Coriolano Ferreira teve na criação do primeiro curso de administração hospitalar em 1970. Está nas nossas mãos!
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A formação técnica dos médicos e a dos enfermeiros está entregue a escolas próprias. Mas o pessoal administrativo, esse é que, até hoje, não tem onde aprenda nem quem o ensine (…). Entre nós, tirando duas ou três exceções, vivemos em pleno domínio do amadorismo e das improvisações que, embora bem intencionadas, estragam muito dinheiro que é sangue da nação (…).
Coriolano Ferreira em Hospitais Portugueses, 1948
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