Nos últimos três anos, as remunerações dos profissionais de saúde foram aumentadas (por exemplo, através de reposições dos cortes salariais impostos durante o programa de ajustamento económico e financeiro, revalorização das horas extraordinárias ou contagem de tempo para progressões nas carreiras), foi reduzido o horário de trabalho de contratos em funções públicas (2015) e contratos individuais de trabalho (2018) das 40 para as 35 horas, e as carreiras estão a ser revistas, ainda que de uma forma lenta.
Em contrapartida, o absentismo mantém-se em valores máximos desde 2010 e as greves agravaram-se durante o corrente ano. Apenas por motivo de doença, entre 2014 e 2017, verifica-se um crescimento de 25% do número de dias de ausência, num total de mais de 357 mil dias.
Os representantes dos trabalhadores e das classes profissionais têm apontado a desvalorização das carreiras, o desgaste profissional e a deterioração das condições de trabalho para este crescimento.
Vivemos um período de um aparente paradoxo no Serviço Nacional de Saúde. Como é possível melhorar remunerações e reduzir horário de trabalho e existir uma crescente insatisfação profissional? Importa perceber a raiz dos problemas subjacentes a esta aparente contradição. Dois aspetos merecem ser destacados: a forte restrição orçamental associada à limitação da gestão e a evolução dos recursos humanos.
Os resultados das escolhas orçamentais são cada vez mais visíveis ao nível do funcionamento das instituições e nas demonstrações financeiras: os hospitais EPE encerraram o ano de 2017 com o seu pior resultado económico de sempre: -300 milhões de euros de EBIDTA e -457 milhões de euros de resultados operacionais.
Dada a variabilidade de regimes de período normal de trabalho (PNT) dentro das instituições do SNS, valerá a pena considerar este fator para uma análise mais cuidada da evolução dos recursos humanos.
Assim, entre 2010 e 2017, verificamos uma redução dos enfermeiros (-0,6%), dos TSDT (-4,3%), dos assistentes técnicos (-17,9%) e dos assistentes operacionais (-18,3%). O défice de auxiliares de ação médica veio obrigar a uma transferência das suas tarefas para os enfermeiros, sobrecarregando este corpo profissional.
O défice de profissionais tem, por exemplo, visibilidade ao nível do recurso a horas suplementares dos enfermeiros, atingindo-se 2,5 milhões de horas em 2017, correspondentes a 1441 enfermeiros – praticamente o dobro do observado em 2014. Com a agravante de serem limitadas as contratações de profissionais em regime de substituição por motivos de doença ou por proteção na parentalidade, a sobrecarga dos profissionais em exercício de funções é patente.
Mais recentemente, a aplicação das 35 horas de trabalho semanais para os trabalhadores com Contrato Individual de Trabalho não foi acompanhada da necessária contratação de profissionais, de forma a colmatar a redução efetiva de horas de trabalho disponíveis.
Assumindo o número de trabalhadores em 2017 que veriam o seu PNT reduzido para as 35 horas, face a 2010, teríamos em falta: 2026 enfermeiros (-4,9%), 625 TSDT (-7,7%), 3340 assistentes técnicos (-17,8%) e 6064 assistentes operacionais (-20,2%). A anunciada contratação de 2000 profissionais por parte do Ministério da Saúde fica muito aquém do necessário. Neste cenário, devemos todos reconhecer que fica em causa a capacidade para manter os níveis de serviço até ao momento garantidos.
Adiar a resolução dos problemas existentes estimula formas menos razoáveis de contestação, com prejuízo para os doentes e as suas famílias e para a confiança destas no SNS.
Nota: A análise completa do autor pode ser consultada no Livro “A Saúde e o Estado: o SNS aos 40 anos“, publicado na sequência da Conferência “A Saúde e o Estado: o SNS aos 40 Anos”, organizada pelo Conselho Económico Social a 21 de setembro 2018.
O artigo pode ser lido no Hospital Público de dezembro 2018.