A construção de cenários é baseada na análise e compreensão de tendências e eventos atuais e passados, permitindo a descrição consistente de possíveis situações futuras. Os portugueses podem não ser alemães ou ingleses, e Portugal não tem os recursos da Alemanha ou da Inglaterra. Por isso mesmo, construir cenários, planear e coordenar meios, é uma obrigação óbvia. Não basta confiar na sorte e no improviso, e depois vir responsabilizar as fragilidades da administração pública ou do SNS.
Em março de 2020, desenvolvemos uma ferramenta para a previsão de recursos hospitalares face a diferentes cenários. O conceito de limite de recursos (atual, a preparar ou a mobilizar) é uma peça-chave do planeamento, permitindo determinar uma cascata de medidas de acordo com o seu progressivo esgotamento. Face a diferentes cenários, são previstas medidas específicas. Chegamos a este momento e todos somos especialistas no “achatamento da curva”. Contudo não se percebe a razão de serem tomadas medidas tão tardiamente face ao esgotamento de recursos de saúde. Será que este limite de recursos estava definido?
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Há poucos meses anunciava-se uma capacidade pública de 17 mil camas para doentes covid-19, mais mil camas de cuidados intensivos. Os hospitais submeteram os seus planos de contingência até ao início de setembro. Neste momento, sabemos que são insuficientes. Alguém fez a soma dos recursos máximos previstos para determinar o limite de recursos públicos? Ou deu indicação para ser prevista mais capacidade? Os hospitais devem ter autonomia na sua resposta operacional, mas se não participam ativamente no desenvolvimento de cenários e planeamento da resposta, apenas por mera sorte podem acertar. Um colega meu dizia numa entrevista “fizemos tudo o que pudemos, não posso pedir mais aos nossos profissionais, as respostas estão agora fora do hospital”. O limite de recursos não depende apenas dos hospitais públicos. Nem mesmo dos hospitais privados. Depende de um conjunto de diferentes estratégias hospitalares e extra-hospitalares. Daí ser exigida uma coordenação nacional de meios.
A pandemia covid-19 exige demasiado de todos nós. Aos responsáveis políticos cabe a difícil tarefa de liderar, incluindo a humildade necessária na hora de assumir responsabilidades.
Crónica semanal #hoje, publicada no Jornal de Notícias de 27 de abril de 2021